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terça-feira, 16 de abril de 2024

Repórter de concertos de violino


Moringue antropomórfico. Fabrico da Olaria Alfacinha. Estremoz, anos 40 do séc. XX.

De vez em quando vislumbro objectos que tangem as tensas cordas de violino da minha alma. Então, olho-os melhor, miro-os e remiro-os, trespasso-os com o meu olhar e eles revelam-se em toda a sua plenitude, para além daquilo que é óbvio. Digo-lhes: Olá! Então e só então, eles me recebem de braços abertos, como se um deles se tratasse. Contam-me então as suas estórias, às quais outras estórias se seguirão. É então que eu, repórter de concertos de violino, escrevo na pauta de papel, tudo aquilo que tocaram e eu consegui entender.

Publicado inicialmente em 15 de Abril de 2021

domingo, 7 de abril de 2024

Lembrança da Olaria


Moringue com decoração fitomórfica. Manufactura da Olaria Alfacinha, Estremoz.
 Colecção do autor.
   
A Memória do Passado
A actividade de um coleccionador não se desenrola na maioria das vezes num mar de rosas. O coleccionador navega por entre escolhos, os quais terá de ser capaz de ultrapassar, a fim de poder levar a bom porto, a missão que a si próprio atribuiu. É o que se passa comigo, enquanto coleccionador de louça de barro vermelho de Estremoz. É que a olaria local extinguiu-se há algum tempo. Foi o fecho da crónica de uma morte prevista. Todavia, ela permanece bem viva no registo quântico da minha memória.
Vale-me ser um respigador nato e usufruir da capacidade de fazer um rápido reconhecimento da infinidade de objectos que aos sábados povoam o Mercado das Velharias, em Estremoz. Valem-me ainda os vendedores que sabendo dos meus gostos, me arranjam peças sem o compromisso de eu ter de ficar com elas. Valem-me também os “olheiros” amigos, que me dão conhecimento onde é que determinada peça que me possa interessar, se encontra à venda. Por vezes, a meu pedido e como meus mandatários, compram aquilo que me interessa. E tudo isto parece muito e de facto é, mas não é tudo.
A Lei de Lavoisier
Hoje existe um vasta profusão de vendas “on line”, nas quais se podem comprar objectos, não só a vendedores profissionais, mas também a quem, por um motivo ou por outro, os pôs à venda. Algumas vezes, por necessidade de fazer dinheiro, outras para reciclar coisas que já não lhes interessam e que ao transformarem em dinheiro, lhes permitem adquirir bens ou serviços nos quais de momento estão interessados. É uma aplicação prática da Lei de Lavoisier: “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo ser transforma“. Trata-se de um enunciado que trocado por miúdos e em português corrente, pode ser expresso assim: “O que não te interessa a ti, pode-me interessar a mim e vice-versa. Por isso, toma lá e dá cá”. Daí que os eco-militantes que negam a existência de um plano B, proclamem “Desperdício zero, já!”.
A viagem
Não estranhem pois que um exemplar da Olaria de Estremoz, residente em Beja, tenha mudado de ares e vindo até Estremoz, onde se instalou na minha casa, com direito a todas as mordomias. Bastou-lhe viajar através do serviço dos Correios, depois de eu ter ressarcido o anterior proprietário no acto de se ver livre do espécime. Tratou-se de uma viagem que não foi isenta de riscos, pois por vezes ocorrem descuidos por parte dos transportadores. Daí a necessidade de uma embalagem meticulosa e paciente, realizada com o jeito de carinhosos cuidados maternais. Foi o que aconteceu desta vez, pelo que ao abrir a embalagem normalizei a respiração, os batimentos cardíacos e a tensão arterial. O recipiente de barro estava bem de saúde e recomendava-se como vão ver.
O moringue
O viajante foi um moringue, recipiente para água com uma asa na parte superior e um gargalo em cada extremidade desta. O gargalo da extremidade mais larga destina-se a introduzir água e o da extremidade afunilada destina-se à saída da mesma. Para a beber, vira-se esta última extremidade para a boca e dá-se ao recipiente a inclinação adequada, de modo a que o esguicho que dela brota vá cair na boca do bebedor. A direcção de alinhamento dos gargalos é perpendicular à direcção de implantação da asa.
O moringue é em barro vermelho, fabrico de Estremoz, firmado pela marca incisa linear “OLARIA ALFACINHA ESTREMOZ” na superfície exterior, junto à base.
A decoração com motivos fitomórficos em alto-relevo, configura ramos de sobreiro, povoados de folhas serradas e de glandes. Trata-se de elementos decorativos, obtidos por moldagem, a que se segue uma colagem na superfície, recorrendo a barbutina.
A superfície do moringue onde assenta a decoração em relevo é lisa e nela se destacam, igualmente espaçadas, quatro faixas polidas, entre a base e o topo do bojo. Os gargalos são igualmente lisos e ostentam faixas polidas.
A asa configura um galho de sobreiro bifurcado nas duas extremidades. As bifurcações assentam no topo convexo do moringue, onde também se inserem os gargalos.
No bojo, a legenda “LEMBRANÇA / DE / ESTREMOZ “, distribuída por três filas paralelas com texto centralizado.
Significados da legenda
Trata-se de uma legenda que encerra em si múltiplos significados:  
- Em primeiro lugar que o moringue é um artefacto de barro, manufacturado em Estremoz.
- Em segundo lugar que tanto pode ter sido comprado por um forasteiro como por um autóctone para uso próprio ou para oferecer a alguém, com a mensagem expressa que é uma lembrança de Estremoz e de nenhum outro local.
- Em terceiro lugar e para além de lembrança de Estremoz é, sobretudo, uma lembrança da Olaria de Estremoz.
- Em quarto lugar, atesta a magia das mãos do oleiro que lhe deu forma, repetindo gestos ancestrais, herdados de Mestre ou de familiares ascendentes.
- Em quinto lugar, a Memória das mãos pacientes e hábeis das “polideiras” que ao decorarem a superfície, reforçaram toda a beleza que na morfologia, na volumetria e nas proporções, o moringue já ostentava em si.
- Em sexto lugar, a mensagem de que a Olaria de Estremoz é “sui generis” e por isso mesmo inconfundível.
- Em sétimo lugar, a afirmação orgulhosa de uma identidade cultural popular, local e regional, que encerra em si e é deveras notória.
- Em oitavo lugar, a lembrança de que Estremoz já foi terra de olarias, que por fatalidade ou talvez não, se extinguiram.
- Em nono lugar, a mensagem de que parafraseando o poeta João Apolinário, cantado por Luís Cília, “É preciso, imperioso e urgente” recuperar, preservar e salvaguardar a Olaria de Estremoz, como modo de produção artesanal que integra o nosso património cultural imaterial.
- Em décimo lugar, a chamada de atenção àqueles que detendo as rédeas do poder local, andam embriagados pela inclusão da manufactura dos Bonecos de Estremoz na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Tornaram-se autistas em relação à Olaria de Estremoz e não revelam quaisquer sinais de estar interessados na sua recuperação. Onde é que já se viu isto? Só nesta terra. E depois ainda proclamam que “Estremoz tem mais encanto!”.
Acordai!
Nada mais adequado que evocar aqui um excerto do poema “Acordai” de José Gomes Ferreira, que musicado por Fernando Lopes Graça, constituiu, porventura, uma das mais apelativas “Canções Heróicas”, que serve para despertar consciências: “Acordai, / homens que dormis / a embalar a dor / dos silêncios vis!”.
Fala o Passado
A referência mais antiga aos barros e à Olaria de Estremoz remonta ao foral de D. Afonso III, datado de 1258, seguindo-se o foral de D. Manuel I, de 1512. Daqui para diante as referências histórico - literárias aos barros de Estremoz são múltiplas: António Caetano de Sousa (1543), Giovanni Battista Venturini (1571), Francisco de Morais (1572), Inventário de D. Joana (irmã de Filipe II), correspondência de Filipe II, Padre Carvalho (1708), Francisco da Fonseca Henriques (1726), João Baptista de Castro (1745), Duarte Nunes de Leão (1785), D. Francisco Manuel de Melo, Alexandre Brongniart (1854), Carolina Michaëlis de Vasconcellos (1925).
Os barros de Estremoz têm sido cantados por poetas como: António Sardinha, Celestino David, Maria de Santa Isabel, Guilhermina Avelar, Maria Antónia Martinez, Joaquim Vermelho, António Simões, Mateus Maçaneiro e Georgina Ferro. Mas não só os poetas eruditos têm tomado a Olaria como tema de composições. Também ao longo dos anos, os nossos poetas populares têm feito quadras e décimas que integram o valioso Cancioneiro Popular Alentejano. Não resistimos a divulgar aqui duas dessas quadras, recolhidas no início do século passado por António Tomaz Pires, de Elvas, nos seus Cantos Populares Portugueses. São quadras com um conteúdo algo jocoso. Eis uma: “Minha mãe não quer que eu case / Com homem que seja oleiro; / Mas eu faço nisso gosto, / Pois tudo é ganhar dinheiro.”. Eis a outra: “Se tens pele grossa, / Põe-lhe pós de arroz. / Que eu vou ser oleiro / Para Estremoz”.
A herança do Passado
De acordo com a Mitologia Grega, Atlas foi um dos Titãs condenado por Zeus a sustentar os céus eternamente, após o assalto gorado ao Olimpo com a finalidade de alcançar o poder supremo do Mundo. Pela nossa parte, herdámos do Passado tradições que não se podem perder, porque integram o conjunto das marcas da nossa identidade cultural popular, local e regional. Por isso, tal como Atlas, transportamos sobre os ombros uma pesada responsabilidade: a de recuperar, preservar e salvaguardar a Olaria de Estremoz. É claro que pelo cargo que ocupam, a responsabilidade de uns é maior que a de outros.

Estremoz, 18 de Outubro de 2019
(Jornal E nº 231, de 31-10-2019)

O oleiro Jerónimo Augusto da Conceição, membro do clã Alfacinha, a modelar uma
bilha. Fotografia de Artur Pastor, dos anos 40 do séc. XX.

Amélia, mulher de Jerónimo, a efectuar a decoração fitomórfica dum jarro.
Fotografia de Artur Pastor, dos anos 40 do séc. XX.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

CERÂMICA DE REDONDO – Garrafão falante de Mestre Álvaro Chalana

 

Garrafão falante de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983). 

Garrafão em barro de tonalidade vermelha, vidrado, de base circular plana, corpo ovóide, colo cilindriforme e carenado a meia altura da parede, bordo ligeiramente extrovertido e arredondado. Imediatamente abaixo da carena deriva uma asa de secção rectangular, que finda na zona de diâmetro máximo do bojo.

A superfície exterior está decorada com três manchas de engobe, de cor amarelo de palha, de forma irregular, dispostas praticamente a partir do início do colo e até à base. Estas manchas receberam decoração esponjada, a verde e a amarelo.

Sobre cada uma das três manchas de engobe estão esgrafitadas as inscrições: “Ai que belo”, “Viva a boa pinga” e a quadra:

“Sou pequeno mas alegre
Isto que digo e a verdade
O meu amigo come e bebe
Mas pode beber a vontade”

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

CERÂMICA DE REDONDO – Brasão de Lisboa em prato falante de Mestre Álvaro Chalana


Brasão de Lisboa. Prato falante de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983)

Prato de barro vermelho vidrado, modelado, cozido e decorado na olaria redondense de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983).

Prato covo, falante, brasonado, de grandes dimensões, com superfície interna de cor creme, de aba larga ligeiramente côncava e bordo plano. Decoração esgrafitada e pintada com base em quadricromia verde-amarelo-castanho-negro.

Decorado no bordo com motivos fitomórficos constituídos por pés de flores, bi-folheados, de dois tipos que se sucedem alternadamente. Decorado no fundo com motivo configurando o escudo do Brasão de Armas de Lisboa, com um barco castanho, um corvo na popa e outro corvo na proa. O barco assenta num mar de cinco faixas onduladas, quatro de castanho e três verdes. Do mastro, central, pende cordame em direcção à proa e à popa. No topo do mastro está içada a Bandeira de Lisboa ou Bandeira de São Vicente, gironada de quatro peças, creme e negro, símbolo do município de Lisboa. As velas, verdes, estão recolhidas. Em torno do topo do barco, riscos a castanho parecem configurar bases de nuvens e/ou aves a planar.

Hernâni Matos

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Entrevista sobre o 25 de Abril, concedida ao jornal E, de Estremoz

 


Hernâni Matos: “Foi assim até ao fim do dia, sempre com a sensação de até respirar melhor”

No ano em que se cumprem 50 anos sobre o 25 de Abril de 1974, o E’ associa-se às comemorações desta que é uma data tão importante da história do país. As memórias da Revolução dos Cravos também são feitas das memórias individuais daqueles que viveram essa experiência única. Registamos hoje a voz de Hernâni Matos, numa primeira entrevista com que assinalamos os 50 anos do 25 de Abril.

Quais as memórias mais fortes que tem do Estado Novo?

A NÍVEL DE INFÂNCIA: - O aglomerado de pobres a pedir esmola à porta da Igreja de São Francisco, à saída da missa de domingo; - Os pobres que nas segundas-feiras percorriam os estabelecimentos comerciais a pedir esmola; -  A constatação de que havia crianças que iam descalças para a escola, porque os pais não tinham dinheiro para lhes comprar sapatos; - A existência de um ensino repressivo que a nível da instrução primária permitia que um professor desse reguadas nas mãos, canadas na cabeça ou puxões de orelhas numa criança, só porque estava desatenta, era irrequieta ou porque não sabia a lição; A NÍVEL DE JUVENTUDE: - Um indigente que nos anos 50 foi a enterrar para o cemitério de Estremoz, transportado na carroça do lixo; - O ambiente carregado das cerimónias do 10 de Junho em Lisboa, onde as mulheres e as mães dos mortos em combate na Guerra Colonial iam receber condecorações a título póstumo. DE ÂMBITO PESSOAL: - O aviso telefónico que foi feito ao meu pai em 1958, no dia das eleições para a Presidência da República, para não se dirigir para a assembleia de voto de S. Lourenço, na qualidade de delegado da candidatura do General Humberto Delgado, uma vez que estava lá a PIDE para o prender; - Uma carga da PIDE em 1968, na qual me vi envolvido, após a proibição da exibição do filme Marcha sobre Washington e um debate subordinado ao tema Quem matou Martin Luther King?, na Paróquia de Santa Isabel, em Lisboa; - A proximidade diária de gorilas, que eram ex-militares das tropas especiais (comandos ou pára-quedistas), contratados como polícias internos das faculdades e cuja função era identificar, vigiar, perseguir, impedir ajuntamentos e espancar estudantes; - O cuidado e as precauções que tinha com aquilo que dizia, ao falar publicamente com alguém, não se fosse dar o caso de haver bufos (informadores) na vizinhança, que me fossem denunciar à polícia política, a PIDE/DGS; - O meu ingresso na carreira docente em 1972, o qual envolveu a chamada ao gabinete do Chefe da Secretaria da Escola, onde tive que jurar e de subscrever com a minha assinatura, a declaração formal exigida pelo famigerado Decreto-lei 27003, de 14 de Setembro de 1936 e cujo teor era o seguinte: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas.” Lá tive que mentir, pois embora não fosse comunista era democrata, o que correspondia a perfilhar ideias subversivas no Estado Novo, regime de partido único: a UN - União Nacional.

Esteve na Universidade ainda nos tempos da ditadura? Sentiu ou viveu a luta estudantil? Tinha, ao tempo, alguma intervenção ou acção política?

Ingressei na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 1965, pelo que não me vi já envolvido na Crise Académica de 1962, mas não escaparia à Crise Académica de 1969. Era um jovem de espírito aberto, generoso e humanista, ávido de liberdades civis que me eram negadas pelo regime, o que me levava a questionar o sistema e a resistir. Foi assim que ingressei naturalmente no Movimento Associativo da Faculdade de Ciências de Lisboa, o qual contestava o autoritarismo do Estado Novo e reivindicava direitos civis. Lutávamos pela liberdade de expressão e de associação, pela autonomia universitária e a democratização do ensino, pelo fim da repressão e da guerra colonial. Como activista de base do Movimento Associativo da FCUL, integrei a IMPROP – Secção de Imprensa e Propaganda, participei nalgumas RIA – Reunião Inter-Associações, greves às aulas e ocupações da Cantina da Faculdade. Fui uma entre muitas outras formiguinhas que anonimamente e em contexto universitário, deram o seu modesto, mas indispensável contributo a nível civil para que no dia 25 de Abril de 1974 pudesse ocorrer uma mudança de paradigma.

Nas eleições legislativas de 1969, na qualidade de activista da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, fui delegado da candidatura desta Comissão junto de uma das mesas da assembleia de voto que funcionou na Faculdade de Ciências de Lisboa. As eleições viriam a ser ganhas pela UN - União Nacional, liderada por Marcelo Caetano. Era um desfecho previsível, já que a campanha e o acto eleitoral ficaram assinalados, pela fraude, pela perseguição e intimidação da Oposição.

Sentiu, na altura que a ditadura tinha os dias contados?

Apesar da repressão que há muito se vinha abatendo e intensificando sobre as lutas operárias, camponesas, estudantis e dos trabalhadores de serviços, estas também se vinham intensificando. Por outro lado, o Levantamento Militar das Caldas da Rainha de 16 de Março de 1974, apesar de gorado, deu a sensação de que era o prenúncio de uma futura insurreição militar vitoriosa. Parece que havia um “cheirinho no ar” a indiciar que tal viria a acontecer. De facto, lá diz o rifão Agua mole em pedra dura, tanto dá até que fura” e foi assim que os militares aperfeiçoaram o plano e a organização de um novo levantamento, com a devida articulação entre as unidades envolvidas. À segunda foi de vez. Em 25 de Abril de 1974, os militares não falharam.  Bem hajam por isso!

Onde estava no dia 25 de Abril de 1974? Como soube da Revolução? Lembra-se do que fez nesse dia?

Estava adoentado e encontrava-me em casa. Só ao final da manhã tive conhecimento do que se passara em Lisboa e da participação do RC3. Saí imediatamente para a rua, ávido de notícias.  A maioria das pessoas estava eufórica. Todavia também encontrei pessoas apreensivas, com temor daquilo que poderia vir a acontecer. Eu também fiquei eufórico e sempre que me cruzava com alguém com quem tinha mais confiança, lá proferia um “Porra! Até que enfim!”, invariavelmente acompanhado dum aperto de mão ou um abraço ou ainda uma pancada nas costas. O “V” da vitória e o punho erguido só surgiriam mais tarde. E foi assim até ao fim do dia, sempre com a sensação de até respirar melhor. Eram os ares da liberdade que nos tinha sido restituída pelo Movimento dos Capitães. Como reconhecimento e sinal de gratidão, nasceu-nos espontaneamente nos lábios, a palavra de ordem O povo está com o MFA!” e assim seria durante muito tempo.

Olhando para trás, que avaliação faz do processo de transição da ditadura para a democracia que tivemos em Portugal?

A avaliação dessa transição, obriga-me a falar dos responsáveis por essa transição: as Forças Armadas Portuguesas.

O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do MFA - Movimento das Forças Armadas, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas, particularmente do Exército, instabilidade essa que se manifestou em meados de 1973, com o surgimento do denominado Movimento dos Capitães, o qual aglutinava oficiais de média patente, insatisfeitos com as suas remunerações e com a perda de prestígio da oficialidade do quadro permanente, bem como com a Guerra Colonial que, desde 1961, ou seja, há 13 anos, se arrastava em 3 frentes, sem se antever uma solução política para a mesma, bem como pela previsibilidade de uma derrota militar iminente.

No seu poema “As portas que Abril abriu!”, o saudoso poeta José Carlos Ary dos Santos, diz-nos quem fez o 25 de Abril de 1974: “Quem o fez era soldado /homem novo Capitão /mas também tinha a seu lado /muitos homens na prisão.” E mais adiante: “Foi então que Abril abriu / as portas da claridade /e a nossa gente invadiu / a sua própria cidade.

A chamada Revolução dos cravos desencadeada pelo MFA, teve o apoio massivo da população e o regime foi derrubado praticamente sem derramamento de sangue. A transição pacífica de Portugal de uma ditadura para uma democracia teve repercussões a nível internacional, pois foi vista como um exemplo positivo, influenciando assim sucessivos processos de democratização que se desenvolveram por esse mundo fora.

Que impacto teve a Revolução dos Cravos na sua vida?

Em 1º lugar senti uma grande alegria por sentir que tinham sido quebrados os grilhões que me aprisionavam e que impediam de me sentir um cidadão de corpo inteiro. Em 2º lugar tive a percepção de que era imperativo que o movimento revolucionário do 25 de Abril nos permitisse usufruir de direitos e liberdades que até então nos tinham sido negadas, para o que haveria decerto que lutar, tal como veio a acontecer. Em 3º lugar, intuí que o usufruto desses direitos e liberdades, teria que ser temperado através da assunção de deveres que regulassem o exercício da cidadania.

Um pouco por toda a parte, assumimos o direito à liberdade, à informação e à greve. Arrogámos o direito de reunião, de manifestação, de participação na vida pública e de voto. Reclamámos e conquistámos entre outras, múltiplas formas de liberdade: de expressão e informação, de imprensa, de criação cultural, de aprender e ensinar, de associação, sindical, que mais tarde viriam a ser consignadas na Constituição da República Portuguesa.

O 25 de Abril não me trouxe só alegria pelos motivos apontados, mas também por melhorias nas condições de vida dos portugueses que então ocorreram: aumento dos rendimentos, das oportunidades de aprendizagem, da liberdade e dos direitos das mulheres, bem como melhoria do acesso aos cuidados de saúde e uma mudança de valores que tornaram a sociedade mais aberta, o que teve reflexos a nível da cultura (literatura, artes plásticas, música, teatro, cinema, televisão).

Como foi para si o período que se seguiu à Revolução?

O período pós-25 de Abril, conhecido por PREC - Processo Revolucionário em Curso foi marcado por lutas por melhores de condições de vida de operários, assalariados agrícolas e trabalhadores de serviços, assim como de moradores pelo direito à habitação. Foi um período em que ocorreram nacionalizações, inúmeras manifestações, assim como ocupações de fábricas, herdades e casas. Tratou-se de uma época de grande agitação social, política e militar, caracterizada por intensos debates de âmbito político, económico, social e cultural, bem como confrontos militares entre sectores das Forças Armadas com visões distintas de modelos de sociedade a seguir. Os maiores desses confrontos ocorreram a 11 de Março e a 25 de Novembro de 1975. Nesse período há a assinalar a existência de 6 Governos Provisórios até à constituição do 1º Governo Constitucional liderado por Mário Soares (PS), com base nos resultados das eleições de 25 de Abril de 1976, realizadas após a aprovação da Constituição da República Portuguesa, a 2 do mesmo mês. É com a constituição do 1º Governo Constitucional que se completa a devolução do poder pelos militares aos representantes da sociedade civil, legitimados pelo sufrágio, conforme estava previsto no Programa do MFA

Teve, nessa altura, alguma militância ou intervenção política?

Logo a seguir ao 25 de Abril e em termos cívicos integrei comissões had hoc que iam surgindo, fruto da dinâmica social que se ia gerando: Comissão de vigilância de preços, Comissão de moradores da zona centro, Comissão coordenadora das comissões de moradores, Comissão pró-construção do parque infantil, Comissão Cultural de Estremoz, Comissão de Base de Saúde. A nível sindical fui delegado sindical dos professores na Escola Secundária de Estremoz.

A nível político, desde 1969 e ainda estudante universitário em Lisboa, que me identificava com a CDE - Comissão Democrática Eleitoral, liderada por Francisco Pereira de Moura, pelo que após o 25 de Abril passei a frequentar a sede desde Movimento em Estremoz, participando aí nos debates internos e nas dinâmicas então em curso. Fui um entre muitos outros. Por ali passaram activistas que mais tarde se iriam integrar em partidos: PCP, UDP, MES, PS e PSD. Quando em 1975 a CDE se transformou em MDP/CDE – Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral e se registou como partido, eu não me filiei, uma vez que me já me filiara no PCP – Partido Comunista Português, ainda em 1974, se bem me lembro por influência do meu grande amigo, Aníbal Falcato Alves. Acontece que a certa altura tive consciência de que não reunia condições pessoais para ser militante daquele partido, cujo passado de luta e de resistência me merecia o maior respeito, pelo que saí nos primeiros meses de 1975. Passei então à condição de independente, condição que mantive até integrar a UDP – União Democrática Popular em meados de 1975, desta feita por influência do meu colega e amigo, Albano Martins. Deste partido fui militante enquanto a estrutura organizativa local esteve activa. Em 1993 e a convite do futuro Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, o independente e meu amigo José Dias Sena, integrei como independente as listas da CDU – Coligação Democrática Unitária, sendo eleito como deputado municipal, cargo que desempenhei empenhada e activamente durante 3 mandatos, até que senti que era chegada a altura de passar o testemunho, para ter uma maior disponibilidade de intervenção na frente cultural, a qual desde sempre foi e continua a ser a minha grande motivação.

E que avaliação faz da democracia que temos na actualidade?

A democracia portuguesa é uma democracia estável cuja arquitectura tem por base a Constituição da República Portuguesa, lei suprema do país, aprovada em 1976 e revista 7 vezes desde então. Os órgãos de soberania são eleitos, existindo separação e interdependência dos seus poderes. Formalmente está tudo bem. Na prática não é bem assim.

Qual o estado da democracia em Portugal?

A democracia portuguesa sofre de problemas graves que urge resolver em múltiplos domínios: social, económico, financeiro, etc. Deles destaco: elevada abstenção nos actos eleitorais, corrupção, demora na aplicação da Justiça, desemprego, trabalho precário, fraca qualificação da mão de obra, baixa produtividade, salários e pensões muito baixos, falta de oferta pública de habitação, especulação imobiliária, elevada emigração jovem, baixa taxa de natalidade, envelhecimento da população, insuficiência de cuidados dignos na velhice, Serviço Nacional de Saúde com enormes carências, problemas graves a nível da Educação e do Ensino, falta de coesão social e territorial. Estes são os principais problemas que de uma forma ou de outra, atormentam diariamente a esmagadora maioria das pessoas.

50 anos depois do 25 de Abril, apesar da melhoria das condições de vida dos portugueses, ainda se nos deparam desafios a enfrentar para que possa ser assegurada a igualdade de género e a justiça social. Em democracia, isto só se consegues através do aperfeiçoamento da própria democracia. É uma tarefa e um repto que estão em aberto e que exigem o maior empenhamento de todos os cidadãos. 

Hernâni Matos

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Cerâmica de Redondo - Prato de aranhões decorado por Jacinto Ramalhosa



Prato de barro vermelho vidrado, confeccionado e cozido na olaria redondense de Mestre Pintassilgo [João Mértola (1929-2022)], decorado a azul cobalto por Jacinto Ramalhosa.

No covo está desenhada uma corça rodeada de motivos vegetalistas. A aba, larga, encontra-se decorada com pares de pêssegos estilizados (os pêssegos, originários da China, são símbolos relacionados com o casamento e a imortalidade) que alternam com folhas de artemísia (planta medicinal utilizada na medicina tradicional chinesa). Inspirado na faiança portuguesa do séc. XVII.

Neste período, o fascínio pela porcelana chinesa no nosso país, leva a que a faiança portuguesa seja caracterizada por uma original adaptação de motivos ornamentais do Oriente, que são reinterpretados em novas composições, de estilo híbrido, nas quais se combinam influências orientalizantes e a permanência de valores tradicionais. Pertencem a esse estilo, os chamados pratos de “aranhões”. Estes resultam da simplificação interpretativa dos motivos empregues na porcelana chinesa, nomeadamente as folhas de artemísia, frequentemente usadas na decoração da porcelana “kraak”. Esta era um tipo de porcelana chinesa de exportação, produzida sobretudo no reinado do Imperador Wanli (1563-1620) da dinastia Ming (1368-1644), até cerca de 1640 e que chegava em abundância à Europa.

Hernâni Matos


quinta-feira, 20 de julho de 2023

Mestres Bonequeiros de Estremoz

 
Mariano da Conceição (1903-1959). Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Arquivo fotográfico do autor.

Prólogo
A língua portuguesa é rica em múltiplos aspectos. Um deles resulta do facto de um mesmo termo ser susceptível de várias interpretações. É o que se passa com o termo “Mestre”, substantivo masculino, cuja etimologia provém do latim “magistru”, “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”.
O termo “Mestre” no verdadeiro sentido do termo, é usado no contexto de múltiplas actividades profissionais, designando alguém que tem aprendizes numa oficina. Por outro lado, a nível das artes, pelo menos desde a Idade Média que a designação atribuída a Mestres que pela excelência do seu trabalho se destacam dos outros Mestres, é a de Grandes Mestres. Todavia, o termo “Mestre” tem sido banalizado e é usado paralelamente e muitas vezes com carácter subjectivo, para designar quem domina muito bem uma actividade profissional, ainda que não tenha aprendizes.
A utilização do termo “Mestre” é comum a múltiplas actividades, entre elas a de barristas ou bonequeiro(a)s. Daí que me proponha suscitar uma reflexão em torno da correcta utilização do mesmo, retrocedendo no tempo em termos de dados históricos relativos a Bonecos de Estremoz.

Mestres bonequeiros no século XIX
Entre as referências mais antigas a figuras em barro de Estremoz, destacam-se as das actas de sessões da Câmara Municipal de Estremoz, de 31 de Outubro e de 10 de Dezembro de 1770, que referem a existência de mulheres chamadas “boniqueiras”, que fazem figuras e “brincos”. Fica-se a saber que nessa época a produção de figuras em barro era efectuada exclusivamente por mulheres, situação que se altera em data que não é possível apurar. Na verdade, o Mapa das Fábricas existentes no Distrito de Évora em 1837 (Fundo do Governo Civil de Évora - Arquivo Distrital de Évora), mostra que em 1 de Janeiro de 1837, no concelho de Estremoz e na freguesia de Santo André, existem 26 oficinas de figuras, com 26 proprietários, 26 mestres e 36 operários (7 homens, 18 mulheres e 11 rapazes). Naquela data, a produção de figuras em barro encontrava-se já em decadência, deixara de ser efectuada exclusivamente por mulheres e cada oficina era dirigida por um mestre que era também o proprietário.

Mariano Augusto da Conceição (1903-1959)
O escultor José Maria Sá Lemos (1892-1971), director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves conseguiu, entre 1933 e 1935, a recuperação da tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, considerada extinta com a morte de Gertrudes Rosa Marques (1840-1921). O instrumento primordial dessa recuperação foi a velha bonequeira Ana das Peles (1859-1945) e Mariano Augusto da Conceição (1903-1959), oleiro, foi o instrumento de continuidade dessa recuperação.
Mariano Augusto da Conceição era neto de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha e filho primogénito de Narciso Augusto da Conceição, que orientou aquela oficina até 1933. Ingressou como Mestre provisório da Oficina de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, em 3 de Dezembro de 1930, passando à situação de Mestre contratado em 29 de Abril de 1931 e de Mestre efectivo em 19 de Março de 1936, cargo que desempenhou ininterruptamente até à sua morte prematura em 30 de Setembro de 1959. Na escola e em contexto de ensino-aprendizagem foi para além de Mestre oleiro, Mestre bonequeiro que ensinou gerações de alunos a produzir Bonecos de Estremoz. Destaco desses alunos, o pintor Armando Alves (1935 - ) e as barristas Aclénia Pereira (1927-2012) e Maria Luísa da Conceição (1934-2015), sua filha. De salientar que os Bonecos produzidos na escola eram comercializados pela própria escola, funcionando assim como receita da mesma e os alunos recebiam por isso um salário.

Sabina da Conceição Santos (1921-2005)
Em 1960, depois da morte do seu irmão Mariano da Conceição, Sabina da Conceição Santos tomou a atitude corajosa de prosseguir com estilo muito próprio, a manufactura de Bonecos de Estremoz, impedindo assim que a arte se perdesse. Sabina nunca tinha confeccionado Bonecos, apenas vira o irmão fazê-los. Formou-se a ela própria, usando como modelos os Bonecos do seu irmão. Dentre as discípulas que até à aposentação em 1988, passaram pela sua oficina e das quais foi Mestra, ressaltam aquelas que se estabeleceram por conta própria: Fátima Estróia (1948- ), Isabel Carona Bento (1949-2006) e Irmãs Flores [Maria Inácia (1957- ) e Perpétua (1958- )]. Estas últimas completaram recentemente 50 anos de carreira, o que levou o Município a distingui-las com um louvor, para “expressar-lhes reconhecimento e gratidão pelos seus 50 anos de dedicação efetiva ao Boneco de Estremoz, pelo apuro técnico e estético do seu trabalho e pela disponibilidade que sempre demonstraram na salvaguarda e valorização desta arte multisecular.”

Sabina da Conceição Santos (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita
 as discípulas Maria Inácia Fonseca (1957- ) e Perpétua Sousa (1958- ). Fotografia
de Xenia V. Bahder. Arquivo fotográfico do autor.

Jorge da Conceição (1963 - )
Entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que decorreu no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição, que contou com o apoio inestimável de Isabel Água e de Luís Parente. Foi frequentado por 16 formandos e ali se formou um grupo de barristas, dos quais 6 se encontram presentemente a produzir. São eles: Ana Catarina Grilo, Inocência Lopes, José Carlos Rodrigues, Madalena Bilro, Manuel J. Broa e Vera Magalhães. Desses 6 e até à presente data, 4 foram certificados pela Adere - CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.
Todos eles o reconhecem como uma referência de topo da nossa barrística e praticamente todos o tratam carinhosamente por Mestre, já que foi com ele que aprenderam.
As criações de Jorge da Conceição ostentam marcas identitárias singulares e por isso notáveis. Em primeiro lugar, o rigor e a perfeição na modelação, com integral respeito pelas proporções, pela morfologia, pelas texturas, bem como a representação do movimento. Em segundo lugar, um cromatismo harmonioso que resulta de uma sábia combinação de cores. Em qualquer dos casos, no mais rigoroso respeito pelo modo de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. Tudo isso contribui para que os trabalhos de Jorge da Conceição sejam reveladores da sua incomensurável mestria. Trata-se de facetas do seu trabalho, que ultrapassam o âmbito restrito dos seus formandos e catapultam o barrista a uma nova dimensão de Mestre. Daí dever ser considerado um Grande Mestre, dada a dualidade da sua mestria. Mestre enquanto formador de barristas e Mestre pelo esmero, rigor, beleza e excelência na plenitude do seu trabalho, que fazem guindar a sua obra do patamar da arte popular para o degrau da arte erudita.

Jorge da Conceição (1963 - ), rodeado de discípulos numa sessão do Curso de Formação
sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, ocorrido em 2019. Fotografia de
Luís Parente, recolhida no Facebook.

Epílogo
Já vimos que no verdadeiro sentido do termo, Mestre é “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”. No conjunto de todos os barristas dos séculos XX-XXI houve apenas três que em contexto oficinal e não familiar, ensinaram discípulos, pelo que podem ser considerados Mestres Bonequeiros de Estremoz. Foram eles: Mariano da Conceição (em contexto oficinal escolar), Sabina da Conceição Santos (em contexto oficinal privado) e Jorge da Conceição (em contexto oficinal formativo).

Publicado no jornal E, nº 317, de 21 de Julho de 2023

quinta-feira, 30 de março de 2023

Mestre Emídio Viana (1869-1954), ceramista estremocense

 


É sabido que sou um coca bichinhos que cumpre o fado de andar metido no barro. Numa das minhas mais recentes incursões no digital, descobri e acabei por adquirir o objecto olárico, cuja descrição passo de imediato a fazer.

Escultura modelada em barro vermelho, representando um pastor junto ao tronco de uma árvore ou melhor parte dela, visto que só está representado o tronco que se bifurca em dois ramos abertos nas extremidades, as quais nos revelam ser oco o seu interior.

A observação pormenorizada do tronco revela que a sua modelação procurou representar a ausência de casca junto á base da árvore, pelo que se trata dum sobreiro que sofreu extracção de cortiça.

O pastor é representado como calçando botas e vestindo calças e camisa, sobre os quais enverga respectivamente safões e pelico, representados com todos os seus componentes. Na cabeça usa um chapéu com fita, de aba e copa, ambas normais, mas esta última com duas “amolgadelas“ á frente, como é usual.

Os pés do pastor estão representados na bem conhecida posição de “10 para as 2” e os braços de tal modo que o cajado (de madeira) é seguro a meio pela mão esquerda e a extremidade superior pela mão direita.

A observação da cabeça do pastor revela uma modelação cuidada nos seus pormenores, os quais se encontram todos representados.

A escultura tem uma altura de 34 cm e assenta numa base materializada por uma placa de forma elíptica com 20 cm de eixo maior e 16 cm de eixo menor.

Na modelação foram representadas texturas:  cabelo (cabeça), lã (pelico e safões), cortiça (tronco do sobreiro), solo (base da escultura).

Na base e colada frente ao pé direito, uma placa com as iniciais “E V”, iniciais de Mestre Emídio Viana (1869-1954), proprietário da extinta Cerâmica Estremocense Lda, situada na Rua do Lavadouro, nº ?, em Estremoz. Um homem polifacetado: desenhador, caricaturista, ceramista, empreendedor, comerciante, editor de postais ilustrados, ciclista, praticante de desportos motorizados, filatelista, coleccionador de Bonecos de Estremoz e prestigiado estremocense. Um homem com H grande, a quem tiro o chapéu e de quem tenho o prazer de, a partir de agora, ter uma escultura sua na minha colecção. Uma escultura que não foi criada com finalidade meramente decorativa, embora a tivesse. É que Mestre Emídio Viana tinha não só alma de artista, como era também um grande empreendedor. Por isso, a escultura tinha também uma funcionalidade: era a base de um candeeiro eléctrico, como é revelado pelos restos de fio condutor que assomam nas extremidades abertas das ramificações do tronco. As aberturas serviriam, como é fácil de concluir, para encaixe de casquilhos de lâmpadas. “Deus disse: Haja luz e houve luz” (Génesis 1:3).





Mestre Emídio Viana (1869-1954), ceramista estremocense.

segunda-feira, 20 de março de 2023

Contributo pessoal para uma evocação de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983), oleiro redondense

 


Foi inaugurada ontem, dia 18 de Março, no Museu do Barro, na Vila de Redondo, a exposição “A evocação de um Mestre: Álvaro Chalana – Já não há quem queira dar/uma filha a um oleiro”.
Mestre Álvaro Chalana (1916-1983), oleiro, poeta e músico, tem perfil biográfico traçado pelo Dr. António Carmelo Aires no seu livro “Cerâmica de Redondo”. Este investigador da cerâmica redondense, possuidor de uma inigualável colecção de peças oláricas de Redondo, ontem mesmo publicou no Facebook um extracto do vasto conjunto de peças de diferentes tipologias, produzidas por aquele Mestre. Disse a propósito “Associo-me à Evocação a Mestre Alvaro Chalana um dos mais notáveis oleiros redondenses do Sec. XX”.
Foi através da publicação do Dr. Carmelo Aires, que tive conhecimento da exposição que decerto irei visitar e que me senti igualmente estimulado a associar-me à evocação promovida pelo Museu do Barro de Redondo, divulgando peças oláricas do Mestre, apenas de duas tipologias: pratos e bacias, falantes ou não. pintadas e esgrafitadas. Maioritariamente decoradas com uma tricromia verde, amarelo, ocre-castanho, de temática predominantemente floral, zoomórfica, antropomórfica e mista, mas também brasonada e monumental.
Os pratos e bacias de Mestre Álvaro Chalana apresentam determinadas tipologias de decoração nas abas ou nos bordos:
- Arcos verdes, contíguos, com a concavidade virada para o interior, total ou parcialmente preenchidos a amarelo;
- Esponjados a verde;
- Decoração geométrica;
- Decoração foral.